Eu desejava comer aquela unha de carangueijo da lanchonete da esquina havia dias. E assim que tive a oportunidade, fui lá. Nossa, que delícia! Ela é frita na hora, nada de coisas velhas e guardadas. Demora um pouco, mas vale a pena. Sempre vale.
Sentei e aguardei o pedido. Enquanto isso, dei uma olhada no local. Coisinhas de casa de avó eram espalhadas pelo lugar. Um quadro “natureza morta”, uma mesinha de máquina de costurar daquelas de ferro, pratinhos nas paredes, gatos, essas coisas. Eu adorava aquela decoração e toda vez que eu freqüentava o lugar, me prendia em algum daqueles objetos novos. Dessa vez foi diferente.
Chegou um casal. O rapaz logo me chamou a atenção pela beleza. Não aquela beleza comum que aparece na TV. Era uma beleza natural, de homem que é descuidado no dia a dia, mas não a ponto de parecer sujo. Ele vinha na frente e quase passei um momento constrangedor de tanto olhá-lo. Logo atrás a garota de mãos dadas, provavelmente sua namorada. Também era bonita. Eles sentaram na parte de fora, que parece um varanda. É bem mais romântico do que ficar perto do balcão, onde eu me encontrava.
Não sei dizer ao certo o que me fez querer ficar olhando aquele casal. A felicidade deles contagiava, é como se eles não conseguissem guardar o sentimento, então ele transbordava pelo chão da lanchonete e chegava no meu pé, como ondinhas. Depois de um tempo observando seus carinhos, seus olhares, seus sorrisos, percebi o que me admirava: sua certeza.
Eles tinham certeza que se amavam. Tinham certeza que estavam felizes e que se encontravam exatamente no local em que queriam estar, vivendo a vida que queriam viver. Ali, juntos na lanchonete, um momento especial surgia, assim como provavelmente todos os momentos que eles passam juntos. Então eu senti uma certa inveja. Não do romance do casal, nem da felicidade. Era uma pontinha de inveja da certeza que eu via em seus olhos.
Eu quero abraçar o mundo. Quero desenvolver a cidade maravilhosa em que eu moro e ao mesmo tempo, quero sair daqui e viver outras experiências. Quero levar uma vida saudável, ir à academia regularmente, manter uma alimentação balanceada e, ao mesmo tempo, quero saber como é fumar com um vento forte em algum lugar bem alto, ou dormir só quando o sol nascer todos os dias. Quero descobrir coisas novas, viver o que ainda não vivi. Quero ter cinco profissões, todas ligadas a algum tipo de arte. Quero ouvir música no volume máximo e quero o silêncio de estar sozinha. Quero ir pra igreja e me aproximar cada vez mais de Deus e, ao mesmo tempo, quero duvidar até do ar em que eu respiro. Quero questionar a política, a educação, a legislação sobre o aborto, a metodologia utilizada no meu trabalho, os valores da minha família. Quero também me alienar do mundo, viver como se coisas ruins não existissem, parecer uma adolescente tola.
Mas não dá. Eu sou adulta e sou só uma pessoa. Não busco mais meninos, quero relacionamento com homens. Não aguardo mais as férias escolares terminarem, busco por um emprego que acrescentem de verdade o meu currículo. Não chamo minha mãe pra resolver meus problemas na universidade, eu faço isso sozinha. Ao invés de um brinquedo quero uma maquiagem, depois um computador novo, depois um carro e por fim uma casa.
Eu cresci e nem mesmo sinto que as coisas realmente mudaram. Todas as coisas de que eu tinha certeza já foram abolidas ou realizadas e o “e agora?” fica ecoando na minha cabeça todos os dias. Ai, como eu queria ter uma certeza como a daquele casal! As ondinhas de felicidades deles ainda se desfaziam no meu pé. Mas as unhas de caranguejo finalmente ficaram prontas. E por sinal, de uma coisa tenho certeza, elas estavam uma delícia. Daquelas bem quentinhas, sabe...
As incertezas nos movimentam...
ResponderExcluirquando crescer quero ser, ou melhor, escrever q nem tu mana. Ta lindo o texto! Mas olha, de uma coisa eu tenho certeza. Que eu te amo infinitamente. Certeza absoluta!
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