segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O beijo dele

Só me apaixonei, assim, de verdade, uma vez na vida. Não foi bonito, nem único. Foi pelo beijo ou por aquele elemento inexplicável que só quem teve sorte de dar um beijo desses na vida pode entender. Bastou um beijo. Só um. Não precisei saber se ele gostava dos filmes do Woody Allen, não fazia ideia se tinha a mente aberta, não tive como constatar se ele se preocupava com as pessoas, nem se tínhamos afinidades de pensamento. Simplesmente algo naquele beijo dizia muito mais que tudo isso ou talvez através de um beijo se diga coisas um ao outro que só depois são ditas com as palavras, ou que nunca são ditas. Um beijo foi preciso pra que eu soubesse que não ia se repetir com outra pessoa. Um beijo e eu tive certeza que era ele.

O beijo dele.

Só que meu beijo deve ter sido calado. Acho que estava encantado demais com aquele momento pra ter dito algo. Então ele não soube de tudo que eu tinha acabado de descobrir. Um beijo só foi necessário pra que ele soubesse que não era eu. Independente do que eu poderia ser, apesar das afinidades que viríamos a descobrir, não era eu. Num só beijo, dois beijos: um calado, um falante. O meu e o dele. Então nós soubemos tudo o que só um beijo pode dizer.

Se não fosse aquele beijo, eu seria livre. Livre pra entender que outras pessoas, com outros beijos, poderiam ser bons pares pra mim. Livre pra namorar, pra amar, com beijos que não diziam tanto, mas com atitudes que superariam isso. Livre pra não dar a um beijo valor maior do que se dá a um beijo.

Mas não, aquele beijo aconteceu e eu tive a sorte de sentir o que poucos tiveram a chance. E tive o azar de me aprisionar ao que só aconteceu uma vez e que eu vou sempre procurar em outro alguém, mas que nunca vou achar.


Só ele guarda aquele beijo e não sei se o beijo diz o mesmo que disse a mim pras pessoas que ele beija agora. Não sei se é um segredo nosso. Não sei se é um segredo só meu.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Só poesia.


O desaviso, às vezes, pode levar alguém a se tornar poeta involuntário. Foi o caso de um amigo, que ao tentar cantar a música de Lô e Márcio Borges, acabou confundindo os versos e entoou com segurança “se eu morrer não chore não, é só poesia”. Sentada ao som do mar e à paisagem do vento no Arpoador, parei e pensei no quanto essa frase é bonita, sem nem desconfiar que ela, na verdade, tinha acabado de nascer. Se eu morrer, não chore não, é só poesia. E é. No final, a dor, a perda, o fim, acabam. Só resta a melancolia, a saudade. Só a poesia.

E só não vê o que de poético tem a dor quem a vive no tempo do agora. Pra ser poesia, ela precisa estar no passado, mesmo que nunca proferida. Ou então ser “palavrisada”. Hoje, eu posso ver o quanto aquela dor foi bonita, posso sentir a poética do morrer, do partir, do perder. Da estética do sentir e da arte inspiradora do reconstruir, de toda a poesia presa em forma de sentimento, eu já poderia ter escrito tantas páginas que Camões invejaria e Pessoa aprenderia.  Mas nenhuma delas em prosa.

Quando passa, tudo se refaz. A paixão vira amor, que vira dor, que vira saudade, que pode virar um monte de coisa. A mim, que prefiro a beleza ao rancor, que escolho a lembrança à omissão, não poderia terminar em outra coisa que não a metáfora e a rima. Se eu me afligir, se eu entristecer, se eu lamentar, se eu morrer, não chore não, é só poesia.