O desaviso, às vezes, pode levar alguém a se tornar poeta
involuntário. Foi o caso de um amigo, que ao tentar cantar a música de Lô e
Márcio Borges, acabou confundindo os versos e entoou com segurança “se eu
morrer não chore não, é só poesia”. Sentada ao som do mar e à paisagem do vento
no Arpoador, parei e pensei no quanto essa frase é bonita, sem nem desconfiar
que ela, na verdade, tinha acabado de nascer. Se eu morrer, não chore não, é só
poesia. E é. No final, a dor, a perda, o fim, acabam. Só resta a melancolia, a
saudade. Só a poesia.
E só não vê o que de poético tem a dor quem a vive no tempo
do agora. Pra ser poesia, ela precisa estar no passado, mesmo que nunca
proferida. Ou então ser “palavrisada”. Hoje, eu posso ver o quanto aquela dor
foi bonita, posso sentir a poética do morrer, do partir, do perder. Da estética
do sentir e da arte inspiradora do reconstruir, de toda a poesia presa em forma
de sentimento, eu já poderia ter escrito tantas páginas que Camões invejaria e
Pessoa aprenderia. Mas nenhuma delas em
prosa.
Quando passa, tudo se refaz. A paixão vira amor, que vira
dor, que vira saudade, que pode virar um monte de coisa. A mim, que prefiro a
beleza ao rancor, que escolho a lembrança à omissão, não poderia terminar em
outra coisa que não a metáfora e a rima. Se eu me afligir, se eu entristecer,
se eu lamentar, se eu morrer, não chore não, é só poesia.
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