sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Das palavras


Eu acredito nas palavras. Não preciso de provas,  de estatísticas, eu acredito mesmo, de verdade. Não preciso nem vê-las. A ciência que se desocupe delas que, para mim, basta senti-las. Elas me tocam que nem mesmo corte fundo  de flecha de índio em guerra de tribos pode fazer. Elas aparecem com uma aura em seus semblantes, juro, são elas mesmas. Falam comigo, esses anjos. Dão-me as costas, estas safadas. Voam, sem asas, como conseguem?

Eu escolho pelas palavras. E se não tem volta, não tem problema. É o preço que se paga pelo caminho leve e comovente que elas percorrem na vida. Essa rotina cérebro-boca que dizem que não muda. Como podem? Como ousam? Se elas passam pelo meu sangue todos os dias, conhecem meu corpo de cor, me deixam doente do estômago.

Meu voto é das palavras. E digo em alto som: é voto aberto, que votar secreto é bobagem. Não tem erro, nem decepção. Elas prometem partir corações em pedaços, erguer reis, derrubar presidentes, salvar vidas, derreter. Elas cumprem. O mandato é vitalício, o compromisso é eterno. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Soneto da Lembrança


Da fotografia que eu vejo o lampejo daquele momento.
Os olhos miúdos - que sono, que nada! - da luz se esquivavam
No rosto de riso nem sempre lembrança de bom sentimento
Me via vivendo na história o que a imagem já não revelava

Me reviravolta a barriga a inconstância da curva do tempo
Desse que passa, não volta, recria e só deixa marcado
Do tempo, a própria história que um dia fragmentada
Me conta a memória que grita e atormenta deixando o calado

Naquele retrato que de tão pequeno haveria rasgado
Na mesa que cede incansável ao peso que faz a lembrança
Um pedaço de hora vivida perdido enquanto parado

E será no exato momento da fotografia havia
Um amor impossível, um barco, uma queda, um sonho, uma dança
Concluo: Quanto mais da fotografia, menos da vida.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Tudoaomesmotempo


Enquanto viajantes pegam a estrada, bailarinas rodopiam, anjos voam invisíveis, vampiros mordem, ladrões saqueiam, goleiros pulam. Enquanto relógios tictaqueiam, bombas explodem, livros revelam, mortes angustiam, pães alimentam. Enquanto o mundo dança, baratas enojam, músicas tocam, vinhos embriagam, crianças correm, eu espero.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Igualzinho


Depois de ti, tudo em mim mudou. O gesto, o gosto, o cheiro, o papel em cima da mesa, o assistir TV meio de lado, o estalar dos dedos, o escovar dos dentes, o balançar das pernas.

A alegria já não é tão feliz, o medo não é tão intenso e até a tristeza já não tem mais graça, perdeu sua cor acinzentada.  Mudou o olhar e o jeito de jogar o cabelo pra trás. Mudaram os sons e a posição de dormir. A lágrima ficou mais salgada, o suor mais doce. Todos os lugares da cidade mudaram também. Os que visitamos juntos mudaram pela lembrança e os que nunca fomos, pela falta. O clima, o tempo, o vento. As horas mudaram. A lua demora mais no céu e a chuva é mais calada.

O que não mudou  por si só, eu mesma mudei. Cortei o cabelo, troquei o estilo, escolhi outras bandas.

Tentei encontrar outro alguém, só pra mudar. Mas até meu beijo mudou. Ele carrega agora um pouco do teu gosto, do teu jeito, do teu ângulo. Os sonhos, os da noite e os do futuro, mudaram. Agora eles são cortantes e dolorosos. Os primeiros pela lindeza e perfeição que carregam e que são arrancados, sem viés de compaixão, todos os dias, um por um, quando a música toca. Os últimos pela força da certeza que, quando cessa, deixa pairando a névoa de vazio, branca.

Minha mente mudou, meu corpo mudou e, junto a eles,  meu coração, que ora bate acelerado, ora retarda seu trabalho, acho que esquece para quê veio.

Do dormir ao acordar, do ir ao vir, do levar ao deixar, do abrir ao fechar, do subir ao descer, tudo mudou. Não restou mais nada igual.

Só o amor. Igualzinho.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Próxima estação


Meu coração arrumou as malas, pegou os óculos escuros, não esqueceu os trajes de banho e foi viajar. Mas ele se quebrou na estrada e, na volta, só precisou das roupas de frio e do cachecol pra se proteger do vento gelado que certamente o deixaria doente. 

Sobre amar e perder


Eu poderia dizer que nunca nos avisam o quanto é difícil, mas estaria mentindo. Os livros, os filmes, as peças, os amigos, as mães, todos dizem - gritam diariamente -o quanto é difícil perder. É ruim perder um jogo, perder o ônibus, perder a hora, perder a cabeça, perder a vez, perder DE alguém, mas perder ALGUÉM é absolutamente um processo complicado.
Perder o que não se acha é superável, é lógico até e sensato. Perder o que não se tem dúvidas de que existe, o que se sabe onde está guardado parece uma tarefa completamente irracional e violenta.

Perde-se alguém pelos erros que se cometeu, pelos que não se cometeu, pelo que o outro cometeu. Perde-se pelo que continuou e pelo que ficou pra trás. Perde-se pelo que se viveu e que não se queria mais viver, pelo que se sentiu e não se queria mais sentir, pelo que se lutou, se alcançou e se modificou.

E lembra-se justamente pelo contrário. A falta percorre o caminho oposto e ela é tão encorpada que ofusca os motivos da perda. Para perder, pende-se para o caos e para sentir falta pende-se para a paz. O processo é tão pontual, tão certeiro e inevitável que o equilíbrio é justamente o desequilíbrio e a espera, a única lente de aumento. 


Angustiante e infindável espera.