sexta-feira, 24 de maio de 2013

Só poesia.


O desaviso, às vezes, pode levar alguém a se tornar poeta involuntário. Foi o caso de um amigo, que ao tentar cantar a música de Lô e Márcio Borges, acabou confundindo os versos e entoou com segurança “se eu morrer não chore não, é só poesia”. Sentada ao som do mar e à paisagem do vento no Arpoador, parei e pensei no quanto essa frase é bonita, sem nem desconfiar que ela, na verdade, tinha acabado de nascer. Se eu morrer, não chore não, é só poesia. E é. No final, a dor, a perda, o fim, acabam. Só resta a melancolia, a saudade. Só a poesia.

E só não vê o que de poético tem a dor quem a vive no tempo do agora. Pra ser poesia, ela precisa estar no passado, mesmo que nunca proferida. Ou então ser “palavrisada”. Hoje, eu posso ver o quanto aquela dor foi bonita, posso sentir a poética do morrer, do partir, do perder. Da estética do sentir e da arte inspiradora do reconstruir, de toda a poesia presa em forma de sentimento, eu já poderia ter escrito tantas páginas que Camões invejaria e Pessoa aprenderia.  Mas nenhuma delas em prosa.

Quando passa, tudo se refaz. A paixão vira amor, que vira dor, que vira saudade, que pode virar um monte de coisa. A mim, que prefiro a beleza ao rancor, que escolho a lembrança à omissão, não poderia terminar em outra coisa que não a metáfora e a rima. Se eu me afligir, se eu entristecer, se eu lamentar, se eu morrer, não chore não, é só poesia.