quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Do avesso

E quando tudo está do avesso? E quando é preciso abrir mão de si mesmo pra se doar, muitas vezes para o desconhecido, não por amor, mas por dignidade? E quando renunciar ao que se almeja tanto  te mata, te esmaga e mesmo assim é preciso levantar a cabeça e seguir em frente? E quando o que está no meio do seu caminho é o que todos sonham, mas ainda é o oposto do que você tem no coração?

É necessário jogar fora o que já era lixo. É fundamental juntar todas as forças, dar o passo adiante, um de cada vez, mesmo que ele contrarie até o limite e doa cada centímetro do seu corpo e torne sua alma tão pesada e sólida que poderia tocá-la.

Há de se pular a fenda no asfalto, mesmo que ela pareça uma cratera. Construa sua ponte, arquitete sua passagem, contorne o caminho, mas não volte atrás. Esse sentimento que é quase físico de tão grande, quase patológico de tão insano, não tem nada de “quase” dor. É uma dor inteira, completa e já que ela é assim, tão viva, bata nela, xingue-a, mostre que ela não tomará conta de você.

Água é água em qualquer lugar e mesmo quando tá nos olhos, ela seca.  Parece que não, parece que ela sempre vai estar lá. Se não exposta, ao menos implícita. Mas não se você combatê-la.

Ignore a dor, dê as costas e siga. Ela vai te acompanhar ainda por um tempo, vai puxar seus cabelos pra chamar sua atenção, vai gritar seu nome, vai marcar presença, até cansar. Nessa estrada chamada – “piegamente” -  de tempo, a dor não consegue ganhar a maratona. 

Você é o vencedor, mesmo que não enxergue isso agora. 

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Divórcio social

Rompi com a sociedade. E ao fazer isso, fui engolida por ela. Descobri, por fim, sua mesquinhez entranhada em suas vísceras. Diz-me o que fazer, o que escolher o que falar. Se eu pensar... Não! Não posso pensar. Não posso falar. Não posso. Não pode. É feio, é cruel, é maldade. A verdade deve ser escondida e as relações manipuladas. Olhei e logo vi. Logo não, demorou o tempo que se demora para se apegar. Me apeguei a esta sociedade e depois de ceder-lhe todo meu amor, meu humor, minha simpatia, ela amou-me de volta e me acolheu. Mas foi só pensar – pensar e expor – que ela se virou contra mim como se a mensagem subtendida não tivesse sido percebida por mim. “Me ame, mas cale-se.”


Rompi com a sociedade. Decepcionei-me com ela justamente por amá-la e justo por amar ainda mais a parte que não deveria ter amado: as diferenças. E como ainda as acho lindas! Elas me fascinam, me encantam, me arrebatam, avassalam meu coração. Eu poderia sentar-me ao pôr-do-sol todos os dias só para admirá-las. E a cada defeito encontrado nelas, ainda mais me apaixonaria.


Mas como se sabe, a paixão acaba e, como se sabe, acaba primeiro de um lado. E então ela me odiou por eu amar suas diferenças, seus defeitinhos encantadores e me decepcionou. Tive que romper com a sociedade. E ao fazer isso, aliei-me à ela, da forma mais suja que alguém pode se aliar. Para voltar aos seus amores, cedi às suas regras, perdi minha liberdade.


Rompi com a sociedade. E ao fazer isso, reatamos de uma maneira diferente. Agora me submeto aos seus desejos só para não perdê-la.

Rompi com a sociedade. E, ao fazer isso, rompi comigo mesma.

domingo, 10 de julho de 2011

A personagem

Meu maior desafio é fingir ser eu quando já sou outra. Às vezes, me canso de mim, assumo novas formas, novos conteúdos, mudo a personalidade. Às vezes quero ser melhor, quero ser pior e mesmo quando me torno o que quero, continuo usando a mesma máscara, a face psicológica de mim. É como se eu fosse atriz, o teatro lotado de velhos rostos e eu fazendo o papel de mim mesma, sabendo que atrás das coxias, na verdade, ainda existem coisas do roteiro que foram cortadas.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Último passo

Eu estou quase na beira, só olhando. Todo precipício carrega sua beleza e seus medos. Ele me instiga a curiosidade, mas me causa arrepios. Como eu queria saber como é lá embaixo! Será tão bonito quanto parece daqui de cima? Vou dar só mais um passo à frente, me aproximar o máximo sem correr o risco de cair e me machucar. Um passo. Mas agora já dá pra ver mais coisas, as belas e as assustadoras e é como se eu não conseguisse me segurar. Eu quero cair, quero ver o resto e me aprofundar. Adrenalina. Angústia. Tudo isso sou eu, agora. Subo nas pontas dos pés, me desequilibro e penso: é hora de se jogar. Eu já sei que pra sentir tudo que quero sentir, tenho que arcar com as conseqüências do final. Voar vai ser bom, mas cair é inevitável.  

sábado, 14 de maio de 2011

O que eu não sei dizer

Tenho medo das palavras. Parece que se eu as disser  em voz alta, elas vão ser mais verdade do que já são só de pensá-las. Escrever não dá. Palavras escritas tem o peso da eternidade, do imutável, não dá pra voltar atrás. Aí elas ficam pairando na minha cabeça, viram cambalhota pelos meus olhos, fazem cócegas no meu nariz e, quando alcançam a boca, as letras se embaralham e fica uma confusão só! Então, o que eu queria dizer eu deixo pra depois e me guardo ao conforto de ouvir. E como é bom ouvir as palavras que pensava que só eram minhas...

domingo, 8 de maio de 2011

Desconforto


Tudo que me foge aos dedos me atinge. O incerto, isso que me escapa, me agonia, me revira o estômago, me causa ânsias. Não é bom, é perda. Não me venham com conversinhas de que isso torna tudo mais interessante, mais emocionante, mais qualquer coisa.  Se algo se esquiva de mim, se perco o controle, então perco a sanidade, ou parte dela. E sem tê-la por inteiro eu perco a mim mesma, perco minha segurança, meu autoconhecimento.




sexta-feira, 22 de abril de 2011

Movimento

Se as fases da vida equivalessem a gestos cotidianos, eu diria que naquele momento eu estava sentada numa cadeira pegando um pouco de vento e sol. Então ele apareceu e me levantou, dançou comigo, me levou pra tomar banho de mar e me fez conhecer a velocidade. Aí me trouxe de volta e a cadeira tinha sumido. Então fiquei em pé, triste por  ter perdido todas as experiências que agora eu conhecera e por não poder nem sentar na mesma velha cadeira. Eu tava bem com minha cadeira e ele me tirou do lugar. Porque fez isso se sabia que não ia poder me devolver pro mesmo lugar do qual me retirou?

terça-feira, 5 de abril de 2011

Ao meu primeiro amor

Lembro do dia em que fomos apresentados. Estava nervosa, ansiosa, louca pra te ver. Tudo foi tão natural, a química foi de primeira. Experimentamos um ao outro, cada toque, cada segundo. Foi um dia único, incrível. Aos poucos, fomos nos conhecendo cada vez mais e construímos o relacionamento mais estável da minha vida. Brigas? Muitas. Já bati em você, chamei palavrão, chorei de raiva. Já passei sufoco em dias chuvosos, já decidi terminar, já troquei você por outro.  Mas, no final das contas, sempre nos entendíamos.  

Hoje é nossa despedida e, apesar de saber que essa relação já não daria mais certo, meu coração está esmagado. Hoje você sai de casa e vai conhecer um outro mundo com um outro alguém. É sempre assim e é assim que tem que ser. Eu sei. Não vim pra lutar contra isso, mas pra dizer o quanto tudo que nós passamos juntos valeu a pena. E como valeu! 

Quem sabe um dia nos encontramos por aí pela cidade e eu possa lembrar, com essa saudade que já tá apertando, o quanto foi bom ter você por perto.



Homenagem ao meu primeiro carro: um Fox duas portas preto, com maçanetas cromadas, janelas problemáticas e uma batida na lateral: um carro (às vezes inconvenientemente) único na cidade de Belém.

Todas as cores do amor

Dizem que a paixão é vermelha, o calor é amarelo e a paz é branca. Interessante é perceber que o amor tem várias as cores. Cada amor tem uma cor. Quando um amor não é correspondido ele é cinza, fechado, triste. Quando você está em início de namoro é amarelo: brincalhão, chamativo e descontraído. Quando é amor sincero, de muitos anos, é azul: às vezes claro, às vezes escuro. O amor gay, é roxo, intenso. Já o amor de escola é verde: tudo pode, mas dentro dos limites. O amor proibido é vermelho, o amor à distância é alaranjado, está sempre em alerta e o amor infantil é prateado, cheio de brilho.

O amor nunca é preto, porque só pelo fato de ser amor, ele carrega em si sua doçura, um "quê" de abertura, de aventura, de novidade. Sempre o amor é acompanhado de alguma espécie de felicidade, mesmo que às vezes seja difícil reconhecê-la. O amor também nunca é branco. Ele sempre causa, nem que seja em quantidade pequena, uma dose de transtorno, de desequilíbrio, de perdição.

É aí que tá a grande graça do amor. Ele pode se misturar, formar novas cores e se redescobrir.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sobre idéias e mangas

Ela balançava as pernas freneticamente. Fazia isso sempre, mas naquele momento a impressão que passava estava realmente correta: o nervosismo parecia tomar conta de cada parte do seu corpo e da sua mente. Debaixo daquela mangueira, mil idéias surgiam. Elas iam, vinham e se despedaçavam assim como as mangas que caíam daquela árvore. Ele nem disse que viria realmente, só insinuou que podia estar lá. Talvez tivesse acontecido alguma coisa. Talvez o acidente que presenciara agora há pouco tivesse engarrafado o trânsito e ele perdera a hora. Talvez tenha acontecido algo com a avó e ele tivera que sair do trabalho direto para ajudá-la. Talvez ele perdera o número do telefone. Talvez ele tenha esbarrado com uma gangue alienígena, ou talvez com dinossauros velozes que vieram à terra com a missão de impedir aquele encontro.

Já estava escurecendo e as idéias que pareciam mangas ainda caíam, mas cada vez em menor quantidade. Daqui a pouco não existiriam mais mangas na árvore e as idéias e desculpas já estariam todas espatifadas no chão. Era melhor ir embora. Ela respirou fundo, pensou que talvez não fosse tão ruim assim e caminhou de maneira triste e suave de volta pra casa. Sem mangas, sem idéias.

Ele ainda pensou em ir. Às vezes chegava à conclusão de que queria muito ter ido. Mas tinha algumas coisas a resolver e isso serviu de desculpa para si mesmo por não tê-lo feito. Então ficou pensando deitado, ouvindo um rock meio country antigo e pensando em como teria sido se tivesse ido. Porque não foi mesmo? Nem ele sabia responder. Talvez fosse melhor ligar, se explicar, mas deixou pra depois.

Um dia se esbarraram debaixo daquela mesma mangueira. Olharam-se profundamente, cumprimentaram-se e falaram algo superficial sobre como andava a vida. Ela pensou em xingá-lo ou em cometer algum ato de violência qualquer que fizesse ele demonstrar algum sentimento. Ele pensou em falar o quanto queria ter ido naquele dia, queria se desculpar. Somente pensaram. Assim como as mangas que hoje não caíam por causa do vento parado, as idéias ficaram só na cabeça. E ambos seguiram em frente, assim como tinha que ser.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Som

Se eu pudesse ser qualquer coisa pra ser feliz e ganhar dinheiro com isso, seria guitarrista de uma banda de rock. Não é um sonho, não é algo que eu vou correr atrás. É só um desejo profundo, quase secreto. Eu poderia dirigir filmes também, mas ainda assim tocaria numa banda. Não é pelos aplausos que tomam conta de qualquer pessoa, nem pela energia de ter multidões compartilhando um mesmo sentimento que, no momento, está sendo guiado por ti. 

Não é pela fama e muito menos pelo dinheiro. Se eu tivesse certeza que tocar numa banda fosse dar a mesma quantidade de dinheiro mensal que um trabalho comum, ainda assim eu toparia. Não é pra ser exemplo de boa conduta, nem Ra fazer escândalo. Não é pra mostrar que mulheres também podem fazer competentemente trabalhos tradicionalmente masculinos. Não. É só pela sensação.

A sensação de poder estar em vários lugares ao mesmo tempo. Eu não pertenço a esse lugar aqui nem a qualquer outro. Sim, eu pertenço a todos os lugares. Eu pertenço ao lugar em que estiver. Através do som das cordas da minha guitarra, muitas vezes nem notada, eu posso estar em quartos melancólicos, em carros velhos, em festas agitadas, tudo ao mesmo tempo, assim como eu gosto, assim como eu sou: tudo ao mesmo tempo.

Talvez devesse me envergonhar de não desejar ser um grande curador de multidões, uma repórter que busque manifestos populares para mudar a situação do mundo, uma famosa ativista ambiental que luta diariamente contra o aquecimento global, mas não. Eu não me envergonho. Todas essas coisas são sim, importantes. Mas alguém já imaginou a vida sem música? Como seria o mundo sem guitarras elétricas? Porque as pessoas não acham isso importante?

Claro que é importante. Música é cultura e ter um conhecimento cultural elevado muitas vezes é mais interessante do que ter um conhecimento em matemática elevado, ou em biologia, ou em pessoas. Música é entretenimento e ter momentos de lazer na vida não é só importante, é fundamental. Mas além disso, e mais importante que tudo, música é sensação.

Feche os olhos. Bata palmas, toque seu corpo, arranhe sua pele. Sentiu? Isso definitivamente é importante. Sentir o que não pode ser fisicamente provado nem visto é, então, mais do que especial, é uma dádiva. A música entra em você, a guitarra ecoa no seu corpo e na sua mente, você sente o som. Feche os olhos novamente. Aumente o volume. Você pode quase tocar o som, de tão concreto e absoluto que ele parece.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Clichê e ousadia

Não sei porque tanta gente fala de clichê como algo ruim. Clichês são legais. Vou ainda além: clichês podem ser inovadores. É engraçado como certos grupinhos sociais se unem contra o clichê da sociedade e se tornam clichês dentro de seus grupos. Confuso? Bom, pode até ser, mas é verdade. Se nos despirmos do preconceito que encapsula a palavra "clichê", podemos ser bem ousados. 
As pessoas se acham diferentes por ter um estilo diferente que é exatamente igual ao estilo do seu grupo de amigos, ou se sentem superiores por não gostarem de canções populares ao mesmo tempo em que nem conhecem o idioma em que cantam. 
Por mim, você pode se vestir como velho, ou pode se colorir como o Restart, pode pintar as unhas de preto ou clarear o cabelo até ficar branco-lady-gaga, você pode até (e isso é grave) assistir o Big Brother Brasil e ouvir Calipso secretamente. Você pode ser quem você quiser, você pode ser diferente de tudo e de todos. E é justamente por essa liberdade que você também pode escolher ser igual, mesmo que ser igual seja clichê. E aí você vai estar seguro de ser quem você é e, por ser assim, você se torna ousado.
Confuso de novo, né?
Então deixa pra lá. 

terça-feira, 1 de março de 2011

Sobre as regras sociais

Gosto de decepcionar. É um fato. Gosto de passar a impressão errada, a que vai contra as regras sociais. Me divirto deixando os outros pensarem livremente que sou revoltada, rebelada, a ovelha negra. Gosto de falar tudo o que penso. E é tudo verdade, não se engane. Realmente penso essas coisas. Minhas opiniões, minhas visões, meus conceitos e teorias são todos expostos com grande facilidade. Até que alguém me conhece profundamente e descobre que, afinal de contas, eu não sou assim. Às vezes posso até ser o oposto. E aí ela se decepciona justamente – e contraditoriamente - por eu ter guardado um muito de mim pra ela. 

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Hoje eu quero me apaixonar.

Hoje eu quero me apaixonar. 

Quero acordar cedo e sentir um cheiro novo. Não o peso do sono sobre os meus olhos. Não um canto eletrônico qualquer. Hoje não. Hoje eu quero acordar e sentir o cheiro de dia bom, aquele cheiro único de travesseiro misturado à vontade de despertar por um motivo maior. 

Hoje eu quero passear de carro com a janela aberta, sentir o vento arrepiando meu cabelo e até atrapalhando, as vezes, minha visão. Quero colocar o som no volume maximo. Quero gritar. Quero acelerar.

Hoje, não só hoje, mas, pelo menos hoje, eu quero ouvir palavras bregas ao pé do ouvido, bem baixinho, bem gostoso, bem sentimental. Hoje eu quero sentir um calor diferente, aquele que só a proteção pode te dar e que só um único abraço pode passar. Hoje eu quero rir de piadas nem tão engraçadas assim, mas só porque hoje eu quero que tudo seja motivo de riso. 

Hoje eu quero ser mimada, presa, sufocada. Quero ser a própria intensidade. Intensidade máxima de corpo, intensidade máxima de alma, intensidade mínima de angústia.

Hoje eu quero sentir saudade com a presença. Aquela saudade antecipada que, só de pensar no depois, ela já aperta. A saudade que me obriga a viver tudo logo, sem pressa e com pressa ao mesmo tempo. Uma saudade louca que só sabe quem quer se apaixonar.

Hoje eu quero chegar em casa depois de um dia muito cansativo e perceber que tem alguem me esperando com um sorriso inconfundível no rosto e que, só de olhá-lo, o cansaço se torna uma coisa muito mais, bem...ardente.

Hoje eu quero dar tudo de mim. Quero dar meu melhor, quero dar minha mente, minhas verdades, minhas risadas. Quero dar meu pior, minhas bagunças, meu descontrole, minha insensatez.

Hoje eu quero ser cuidada, amada, como uma menina que precisa de todo apoio pra entender que as coisas ruins da vida sempre passam. Mas também quero ser olhada como a mulher que eu aprendi a ser e a doar.

Hoje eu quero me dividir. Hoje eu não quero ser só eu, ser só minha, ser só. Hoje eu quero partilha, divisão, democracia.

É, hoje eu quero me apaixonar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Desvaneios

Eu desejava comer aquela unha de carangueijo da lanchonete da esquina havia dias. E assim que tive a oportunidade, fui lá. Nossa, que delícia! Ela é frita na hora, nada de coisas velhas e guardadas. Demora um pouco, mas vale a pena. Sempre vale.

Sentei e aguardei o pedido. Enquanto isso, dei uma olhada no local. Coisinhas de casa de avó eram espalhadas pelo lugar. Um quadro “natureza morta”, uma mesinha de máquina de costurar daquelas de ferro, pratinhos nas paredes, gatos, essas coisas. Eu adorava aquela decoração e toda vez que eu freqüentava o lugar, me prendia em algum daqueles objetos novos. Dessa vez foi diferente.

Chegou um casal. O rapaz logo me chamou a atenção pela beleza. Não aquela beleza comum que aparece na TV. Era uma beleza natural, de homem que é descuidado no dia a dia, mas não a ponto de parecer sujo. Ele vinha na frente e quase passei um momento constrangedor de tanto olhá-lo. Logo atrás a garota de mãos dadas, provavelmente sua namorada. Também era bonita. Eles sentaram na parte de fora, que parece um varanda. É bem mais romântico do que ficar perto do balcão, onde eu me encontrava.

Não sei dizer ao certo o que me fez querer ficar olhando aquele casal. A felicidade deles contagiava, é como se eles não conseguissem guardar o sentimento, então ele transbordava pelo chão da lanchonete e chegava no meu pé, como ondinhas. Depois de um tempo observando seus carinhos, seus olhares, seus sorrisos, percebi o que me admirava: sua certeza.

Eles tinham certeza que se amavam. Tinham certeza que estavam felizes e que se encontravam exatamente no local em que queriam estar, vivendo a vida que queriam viver. Ali, juntos na lanchonete, um momento especial surgia, assim como provavelmente todos os momentos que eles passam juntos. Então eu senti uma certa inveja. Não do romance do casal, nem da felicidade. Era uma pontinha de inveja da certeza que eu via em seus olhos.

Eu quero abraçar o mundo. Quero desenvolver a cidade maravilhosa em que eu moro e ao mesmo tempo, quero sair daqui e viver outras experiências. Quero levar uma vida saudável, ir à academia regularmente, manter uma alimentação balanceada e, ao mesmo tempo, quero saber como é fumar com um vento forte em algum lugar bem alto, ou dormir só quando o sol nascer todos os dias. Quero descobrir coisas novas, viver o que ainda não vivi. Quero ter cinco profissões, todas ligadas a algum tipo de arte. Quero ouvir música no volume máximo e quero o silêncio de estar sozinha. Quero ir pra igreja e me aproximar cada vez mais de Deus e, ao mesmo tempo, quero duvidar até do ar em que eu respiro. Quero questionar a política, a educação, a legislação sobre o aborto, a metodologia utilizada no meu trabalho, os valores da minha família. Quero também me alienar do mundo, viver como se coisas ruins não existissem, parecer uma adolescente tola.

Mas não dá. Eu sou adulta e sou só uma pessoa. Não busco mais meninos, quero relacionamento com homens. Não aguardo mais as férias escolares terminarem, busco por um emprego que acrescentem de verdade o meu currículo. Não chamo  minha mãe pra resolver meus problemas na universidade, eu faço isso sozinha. Ao invés de um brinquedo quero uma maquiagem, depois um computador novo, depois um carro e por fim uma casa.

Eu cresci e nem mesmo sinto que as coisas realmente mudaram. Todas as coisas de que eu tinha certeza já foram abolidas ou realizadas e o “e agora?” fica ecoando na minha cabeça todos os dias. Ai, como eu queria ter uma certeza como a daquele casal! As ondinhas de felicidades deles ainda se desfaziam no meu pé. Mas as unhas de caranguejo finalmente ficaram prontas. E por sinal, de uma coisa tenho certeza, elas estavam uma delícia. Daquelas bem quentinhas, sabe...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Para viajar basta existir

Para viajar basta existir, já diria Fernando Pessoa.
Quando me veio a idéia de criar um blog, fiquei pensando por dias em que nome escolher. Até que me deparei com essa frase de Fernando Pessoa e pensei o quanto já viajei pelo mundo, pela mente das pessoas, pelos livros, pelos filmes, pelas minhas próprias neuras... Tudo isso sem sair daqui.
Até um passeio a pé tem a força de fazer a gente viajar. Proponho aqui, então, um passeio a pé pelas palavras. Ouso ainda a convidá-los a passear descalços pra sentir esse chão de letras que às vezes é feito de areia fofa, gostosa de sentir, mas às vezes é feito de asfalto ao sol, machucando até a alma.
Espero que, ao entrar em contato com esse mundo feito de sentimentos, de opiniões, de teorias e de ação, vocês possam segurar minha mão enquanto andamos juntos nesse passeio a pé.
Sejam bem-vindos!